07 dezembro 2009

A falta que Deus sente

Se entendi bem as lições de filosofia da faculdade, para Platão Deus seria uma espécie de pensamento, algo incorpóreo, espiritual. Mas para ser Deus, para ser o ente que coloca em movimento todas as coisas, pré-existente a elas, Deus teria que ser um pensamento que se pensa a si mesmo, alheio a todo o resto, que ele cria sem notar, sem perceber. Platão achava inconcebível que um ser imanente, transcendente como Deus, pudesse se ocupar de qualquer coisa menor que Ele.

Evidentemente, o quadro que minha Bíblia pinta de Deus é bastante distinto. Ela mostra um Deus completamente debruçado sobre este mundo , envolvido em suas grandes questões mas também nas minúsculas e aparentemente insignificantes. Mas mesmo a minha Bíblia deixa claro um ponto: Deus é infinitamente superior às criaturas que fez a Sua imagem e semelhança. Ele é onipotente - nós, fora dEle, somos completamente impotentes; Ele é onisciente - nós temos grandes dificuldades para interpretar corretamente aquilo que nossos sentidos alcançam; Ele é eterno - nós somos dolorosamente finitos, aprisionados a uma cápsula de tempo chamada presente; e Ele é onipresente - nós somos aprisionados ao espaço físico que ocupamos. Enfim, Deus não precisa de nós, mas nós precisamos desesperadamente dEle.

De fato, Deus não seria Deus se precisasse de alguma coisa nossa. Ele, por definição, não precisa. Mas o mais curioso é que algumas vezes vejo Deus Se comportando como se preciasse. Quando Adão e Eva viram-Lhe as costas, Ele vai atrás deles no jardim; quando o povo dEle se desviava da rota segura, Ele tentava os mais diversos métodos para capturar de novo seu coração e mente. Ele afirma coisas como "pois que com amor eterno te amei, também com amorável benignidade te atraí" (Jeremias 31:3). Eu poderia continuar dando uma extensa lista de exemplos dessas atitudes surpreendentes de Alguém com tais caracteristícas.

Mas o que explica essas reações inusitadas de um Deus transcendente, a característica com Platão não contava  e que faz com que Ele Se ocupe de criaturas insignificantes que insistem em ignorá-lO e desprezá-lO, é tao simples como o amor. Não há dúvidas, Deus ama. O que mais poderia fazê-lo apropriar-se das necessidades de outros? É o amor que faz isso. A necessidade que Deus expressa de nos ter por perto, de ter nossa companhia, na verdade é a nossa necessidade de estar com Ele, mas porque Ele nos ama tanto, acaba pegando para Ele nossa carência mais profunda, acaba sofrendo se não tem aquilo cuja ausência é a fonte de nosso sofrimento.

O amor, no fim, subverte a lógica. Porque ama, Deus sente falta de mim. Quando eu reconhecer que minha maior angústia é justamente sentir falta de Deus, verei que o que eu mais quero é exatamente o que meu Deus - o onipotente - quer, e serei feliz.

Marco Aurelio Brasil, 27/11/09

 

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